Palestrante Gaudêncio Frigotto afirma: “o momento que vivemos hoje é contra a esfera pública”

Como ampliar o acesso à educação profissional no Brasil? O que fazer para que os estudantes desse nível de ensino permaneçam em seus cursos? E quanto ao êxito dos alunos, como garantir que a formação ofertada nas instituições tenha efetividade para os egressos? Essas são algumas questões que nortearam a palestra “Educação profissional: acesso, permanência e êxito”, proferida pelo professor Gaudêncio Frigotto, referência na área da Educação, nessa terça-feira, 21 de novembro. Acompanhada por um auditório lotado, a palestra teve como pauta justamente o tema da Reditec 2017.

Longe de lançar respostas prontas ou definitivas sobre o tema, Gaudêncio convidou o público a refletir sobre uma questão que deve anteceder qualquer discussão: “como lidar com as especificidades culturais e sociais de cada região?” A pergunta veio acompanhada por uma série de relatos do palestrante de suas vivências, em diferentes partes do país – dos centros urbanos ao interior –, relacionadas a experiências vividas por estudantes em diferentes realidades escolares.

Por sua presença em todos os estados do Brasil, um dos grandes desafios para a Rede Federal, segundo Gaudêncio, é justamente firmar uma identidade. “Para construir uma identidade com toda essa diversidade é preciso muito tempo, muito diálogo”, destacou o palestrante, reforçando que, além de colocar em prática uma “escuta atenta”, as instituições precisam conhecer o perfil dos jovens com os quais trabalham e entender as suas trajetórias de vida, suas dificuldades e potencialidades. De forma enfática, Gaudêncio lembrou aos participantes que essa identidade que deve ser perseguida pela Rede não significa, de forma alguma, uma unicidade. “O grande segredo é encontrar uma identidade dentro da riqueza da diversidade regional”, complementou.

Defesa da educação pública deu o tom da palestra

Marcada também por um forte posicionamento político, a palestra contou com uma aprofundada introdução sobre as diferentes características da educação profissional brasileira ao longo da história. Citando a atual situação política do país e seus reflexos na educação, Gaudêncio enfatizou que “o momento que vivemos hoje é contra a esfera pública, contra a escola pública, e isso afeta o processo pedagógico”. De acordo com o palestrante, vivemos ainda sob uma visão ortodoxa econômica, na qual é dada visibilidade ao mercado e ao lucro em detrimento da sociedade, das pessoas. “Precisamos retomar o que fizemos durante a Ditadura: resistir por dentro, com uma pauta muito clara e objetiva”, reforçou Gaudêncio.

Crítico às reformas trabalhista e do ensino médio, o educador sugeriu que ambas estariam ligadas, já que, para o mercado, seria preciso “formar pessoas que não leiam o mundo”. Contrário a essa visão, Gaudêncio comentou que “a juventude não merece isso”. E, para fazer frente às dificuldades enfrentadas pela educação pública atualmente, Gaudêncio encerrou a palestra retomando uma frase do escritor Mia Couto. “O autor fala que precisamos ‘murar o medo’, e o medo é a expressão do domínio político”. Afirmando sentir esse medo presente nas escolas, o educador convidou os participantes a lembrarem que os Institutos, ao longo de toda a sua história, sempre resistiram. “Resistir é preciso, resistir é possível, mas precisamos fazer isso sem ódio”, finalizou, lembrando a necessidade de uma resistência unificada, que não divida as pessoas.

Diferentes realidades, inquietações semelhantes

Auditório lotado, olhos vidrados, aplausos. As manifestações do público ao longo da palestra evidenciaram a similaridade das inquietações vividas por gestores de todo o país em suas instituições. Vindo do Instituto Federal do Amazonas, o diretor do campus Tefé, Aildo Gama, comentou, após a palestra, que percebeu na fala de Gaudêncio o quanto cada instituição precisa identificar suas especificidades para garantir o acesso, a permanência e o êxito dos estudantes. “A situação ficou muito clara: não existe uma regra geral de como fazer isso”, comentou o dirigente, destacando que, em sua visão, os principais desafios que a Rede Federal encontra estão relacionados à infraestrutura física, a recursos humanos e à necessidade de investir na capacitação de servidores.

Afirmando ser “fã de carteirinha” do educador, a reitora do Instituto Federal do Amapá, Marialva Almeida, falou que a palestra reforçou o que ela acredita: “ficou claro que precisamos conhecer a realidade dos nossos estudantes, porque, para além da formação técnica, as nossas instituições prezam pela formação humana. Não formamos para o mercado, formamos pessoas, e Gaudêncio consegue transmitir isso na sua fala”. De acordo com a gestora, uma das grandes necessidades do país no âmbito da educação profissional é enxergar as instituições como um investimento, pensando a educação ofertada como uma política de estado e não de governo. “Também precisamos investir em assistência – não apenas financeira – aos alunos, oferecer capacitação aos servidores, investir em pesquisas e projetos e melhorar nossa infraestrutura para fazer com que os estudantes tenham condições de permanecer na escola”, sugeriu a gestora.

Texto: Greice Gomes / jornalista do IFSul

Fotos: Antônio Evaldo Soares / técnico em audiovisual do IFRR